sexta-feira, 23 de novembro de 2018

Tua voz dos outros - Marcelo Labes

Team of Fishermen pulling the fishing nets out from the sea in Kovalam -  @Lorenz Berna



*Por Marcelo Labes


Eles podem tentar nos ensinar do que se trata a poesia, mas imagino que nunca se alcance um veredito, um final – feliz ou infeliz – para esta pergunta. Do que se trata? Acho que os poetas nos perguntam isso muitas vezes, quando nos apresentamos e somos apresentados como, deve surgir a questão: sou poema , mas do que se trata isso?

Estes poemas de Thiago Scarlata não nasceram escritos, tenho certeza. Não me detenho em questões particulares para tal afirmação, se são concisos, se têm rimas internas, se tiveram sua métrica contada nos dedos das mãos. Não. Os poemas de salobre vêm de outra fonte, que não as palavras. Sorte a nossa, penso, ter calhado a Thiago a poesia. Sorte a nossa.

Se são tempos duros, precisa a poesia ser endurecida também? Por que não podemos manter aquele conforto antigo, interior, de falar a partir dos poucos graus de alcance na órbita de nossos umbigos? Estes poemas surgiram antes, muito antes das palavras: são filhos de um olhar atento e preocupado, são fruto de uma necessidade de gritar denúncias. São poemas destes tempos.

Das paisagens injustas dum sertão que espera a chuva que não vem, da fome que sabe que o tempo é o antagonista, da baleia que espera se irmanar e então percebe que se trata de uma embarcação de caça. Não há maneira de escapar a este olhar, de se querer ignorado por ele, simplesmente porque não adianta: os olhos do poeta têm fome e a paisagem que eles têm é esta.


Fresh sea fish on a fishing net. On a black chalkboard. @srapulsar38

salobre é atravessado por medições de tempo (uma preocupação nada recente de seu autor) e por tentativas de calcular a humanidade de pessoas e eventos comuns. O resultado dessas operações é infiel às leis da lógica. Este é um livro de poemas, afinal. Mas há algo que não se perde, que perdura, que endurece à maneira das pedras de sal. Este é um livro de poemas ou um grito contínuo.



E não porque estes sejam tempos ruins. E não porque agora a sociedade seja injusta, as pessoas sofram em trabalhos ingratos, os bichos nos abracem mais dignamente do que os amigos. Thiago vai buscar no que perdura, no que havia desde antes, desde o sal até os moluscos, para mostrar com sua poesia endurecida que não, não estamos certos, estivemos sempre errados.

Assim me sinto ao ler sobre a fuga da seca, sobre o cheiro da boca do peixe, sobre levar a casa para o trabalho dentro da marmita. Assim me sinto ao ler sobre o motorista de ônibus, sobre o coveiro que se isola do lado de fora, sobre o gari, até que no poema ensaio, deparo-me com a imagem central desta minha leitura muito pessoal, quando o poeta diz “dormimos pela insônia / dos outros”.

Se não sabemos responder àquela pergunta antiga sobre do que se trata a poesia, ouso dizer que encontro a resposta acima nestes poemas de Thiago. Que não são poemas de sal, deixemos claro, pois demonstram resistir – e hão de resistir, meu caro, pois somos mais fortes do que eles – às chuvas e toda intempérie mais que houver.

Ouso dizer que descubro aqui o que já devemos todos saber, mas precisa ser enunciado: poesia é escrever pelo silêncio dos outros. Já que me permito a paráfrase, ressalto que uma poesia para fora é mais do que necessária, pois a realidade está aí, à espera de nada, nem mesmo do poeta. Thiago vem, enxerga melhor do que ninguém esta realidade, e a atravessa.

E a exalta.



Capa/foto: @WladmirVaz


*Marcelo Labes é poeta nascido em 1984 em Blumenau-SC. Autor de Falações (EdiFurb, 2008), Porque sim não é resposta (Antítese/Hemisfério Sul2015), O filho da empregada (Antítese/Hemisfério Sul 2016), Trapaça (Oito e Meio, 2016), Enclave (Patuá, 2018) e O poeta periférico (Independente, 2018). Participa da mostra Poesia Agora (edição carioca). Publica no blog http://mmlabes.blogspot.com e mantém a revista O poema do poeta (http://opoemadopoeta.wordpress.com), onde publica originais manuscritos de autores vivos e mortos, do Brasil e do exterior.

terça-feira, 16 de outubro de 2018

tutorial para caçar baleias - thiago scarlata

The B.C. Cetacean Sightings Network is partially funded by the Government of Canada




*Poema do livro salobre (Urutau, 2018).





para caçar uma baleia
o homem deve antes
descarnar completamente o amor
deixar em casa
o terço e o que ainda
lhe resta de cor nos olhos
na imagem fria do filho

um bom caçador de baleias
sabe onde elas dobram
e sobretudo
o que elas gritam
perseguem-nas até o fim
de sua compaixão

apesar de tudo
a baleia sempre crê
no casco cinza
não julga o aço
acredita em sua sombra
de baleia perdida

até que vem o atordoamento

é exatamente aí
que a baleia perde
a sua fé

entende que aquilo ali
não é uma baleia
e que aquele imenso
avatar à sua imagem
e semelhança
possui um motor
no lugar do coração

esse é o ponto-chave
para o acionamento dos arpões:
principal e secundários

a trinta metros do animal
já não há espaço
para fugas
ou interpretações
ele salta, pega ar
e você aperta o botão

agora a embarcação
é contrapeso
(após o arpão
ultrapassar as primeiras camadas
e abrir-se
como um guarda-chuva
nos interstícios da carne viva)

o mamífero, então,
já sem forças,
vira uma extensão
da própria navegação
por isso cautela
reduzir os nós
(manobras bruscas podem rasgar a pele
e condenar a mercadoria às profundezas do sal)

a essa altura
o navio-fábrica
já tem de estar circulando
nos arredores do arpoador
para que quando
sua enorme boca abrir,
a vitima seja içada
por cabos inoxidáveis,
vendo seu fio de dignidade
escorrido numa esteira

para nós, caçadores,
essa é a parte fácil

pois nesse instante,
carniceiros profissionais
assumem a responsabilidade
de enfrentar o olhar
dilacerado da baleia

vem o esquartejamento:
a serra
do osso
a ceifa
de toda cartilagem
e o ultrapocessamento

seu óleo e carne
são reservados,
seu sangue
escoado direto no mar
deixando o oceano, a cada abate,
um pouco menos azul
e mais escarlate






           *







*Lançamento do livro: 19/10/2018, às 19:00 na Rua do Resende / Lapa.


 


Thiago Scarlata nasceu no Rio de Janeiro em 1989. É autor de Quando não olhamos o relógio, ele faz o que quer com o tempo (Multifoco, 2017), Salobre (Urutau,2018) e mantém o site de crítica literária Croqui. Em 2016 foi finalista do Prêmio SESC de Literatura com o poema “Rio Velho” (presente neste livro) e em 2017 venceu o Concurso MOTUS – Movimento Literário Digital (UNIPAMPA). Participou de antologias e teve poemas publicados e traduzidos em diversas revistas, jornais e sites literários.
 
 

sexta-feira, 28 de setembro de 2018

A ambiguidade de nossa cultura salobra em Thiago Scarlata

Capa: Wladimir Vaz @2018
*Por Alexandra Vieira de Almeida

Neste novo livro de poemas de Thiago Scarlata, salobre, dividido em três partes (soro, salário e salinas), o poeta extrai o sumo e despeja o apodrecimento do mundo, as duas faces de uma mesma moeda. Tendo um olhar que lembra o imaginário barroco, ele nos revela a transitoriedade e brevidade das coisas em nossa realidade. É primorosa a qualidade literária de tal livro por ora aqui analisado. Ele vem nos falar da utilidade e inutilidade das coisas e o título não poderia ser mais convidativo. Salobre, o mesmo que salobro possui algum sabor de sal e , que na água, por ter como componentes os sais e outras substâncias, tornam a água de sabor desagradável. Jogando com a ambiguidade do sal, ele tanto agrada quanto desagrada. A segunda parte do livro, intitulada, “salário” nos mostra o poder do sal e de sua polissemia. Salário tem origem no latim salarium, que significa “pagamento de sal” ou “pelo sal”, tido em alta conta no Império Romano.
No Dicionário de símbolos, de Jean Chevalier e Alain Gheerbrant, temos a potência deste elemento em sua extrema ambiguidade. E é neste sentido que Thiago Scarlata vai construindo seu livro, com riqueza analítica, aguda e corrosiva, ao mostrar a duplicidade do símbolo. Lemos no Dicionário acima mencionado: “O sal é, ao mesmo tempo, conservador de alimentos e destruidor pela corrosão”. Scarlata tem a agudeza da análise cirúrgica, como um perito da escrita, em cortar as faces múltiplas das palavras, as esmiuçando: “e então o osso/ esse não é fácil.../ envolve sede/ dente/ e perícia/ para saber exatamente/ como sugar/ o que ainda há de caldo (...) ”.
Utilizando letras minúsculas tanto nos títulos das partes quanto nos versos, Thiago tira a solenidade das coisas nobres, para falar do abjeto, dos restos, daquilo que nos incomoda, sem ser sublime. A beleza de seus versos ampara a crueldade com que ele nos mostra a face escatológica do mundo. Num dos poemas em que fala do ônibus, podemos nos lembrar de dois poetas consagrados da literatura. Primeiramente, percebemos a relação entre o erótico e o maquínico, ao discursar sobre este meio de transporte, transportando-nos para o heterônimo Álvaro de Campos, que, em “Ode triunfal”, nos apresenta a relação erotizada entre o homem e a máquina. Como futurista, Campos mistura a tensão entre o artificial e o carnal/natural. Scarlata dá um novo sentido a isso, nos revelando o poder da metáfora e da imagem ao revelar sobre a utilidade ou inutilidade dos objetos da contemporaneidade: “ônibus/ essa máquina/ de levar// ejacula óleo, fuligem/ e fumaça (...)”.
Num segundo momento, temos a lembrança de um Augusto dos Anjos, que mostrava nos seus poemas termos científicos e o abjeto. Vemos em Scarlata palavras técnicas próprias ao maquinário do ônibus. Ele diz: “cárter, virabrequim/ pistão, biela/ válvula de escape,/ cilindro e vela (...)”. Tudo em itálico para nos mostrar a especificidade de uma linguagem que se valeu da extrema pesquisa e conhecimento de causa. Com ironia, humor negro e perícia, Scarlata produz uma obra que contém elementos heterogêneos e ambíguos como a água salobra, que tem um pouco de sal e doce. O poeta mistura poesias mais longas com menores. Versos mais longos com mais curtos. Também temos a fragmentação do discurso, ao usar estrofes de apenas uma linha. Dando pausas ao caráter impactante dos versos, Thiago sabe driblar com maestria seu entendimento da natureza das coisas. E isto é muito filosófico. A poesia de abertura nos revela este poder de análise adentrando a alma do sal e suas sombras, apesar da cor branca: “morrer de sede/ rodeado de água/ num barco/ à deriva// ou// beber o sal// sentir o sal// viver o sal// até entender// o sal”. Scarlata, fugindo da sublimidade, faz uma apoteose do insólito e não nos mostra algo tão palatável assim, como a água salobre, e nisto temos o eco de Augusto dos Anjos, mas numa versão diferenciada pelo poeta por aqui analisado.
No poema “saco de lixo”, vemos a reflexão sobre a inutilidade dos restos, como se aquilo que adoeceu em nós fosse expelido para fora das entranhas. Esta comparação entre o resto e o humano é magistral, fazendo a poesia de Scarlata ganhar um peso especialíssimo. No livro do grande crítico literário Alfredo Bosi, O ser e o tempo da poesia, temos, no capítulo “Poesia-resistência”, a seguinte análise: “A poesia resiste à falsa ordem, que é, a rigor, barbárie e caos, ‘esta coleção de objetos de não-amor’ (Drummond). Resiste ao contínuo ‘harmonioso’ pelo descontínuo gritante; resiste ao descontínuo gritante pelo contínuo harmonioso. Resiste aferrando-se à memória viva do passado; resiste imaginando uma nova ordem que se recorta no horizonte da utopia.” O poder de reflexão sobre o real em Scarlata produz esta dupla face de crueza e sonho, a realidade e o simbólico, sendo a terceira parte do livro, “salinas”, a mais metalinguística e que trabalha mais com a linguagem simbólica.
@Urutau2018 @WladimirVaz


No poema “branco”, encontramos a face simbólica da cor branca do sal e do silêncio do poeta, a página branca da escrita produzindo seus medos e anseios. Mas também fala de crítica social, nesta mudez imperturbável do homem que quer gritar aos quatro cantos do planeta e produzir seus ecos. Vejamos esta resistência na poesia de Scarlata: “branco-branco/ tudo branco// a fome/ a falta// dor/ e/ mofina/ a pomba/ a guerra// e os dias/ que duram anos ” . Unindo imagens díspares, Thiago nos propõe a experiência do impacto e choque da realidade: os resíduos, os restos, as ruínas, o esfacelamento do mundo, do tempo que se esboroa. Apesar da brutalidade do mundo, ainda nos resta a paz e a utopia, com o sabor da escrita onírica e simbólica. O poeta aqui em questão joga com a linguagem, com a palavra , nos põe de frente ao duplo da palavra, sua luz e sua sombra, sua outra face na linguagem. Em “sujeito e verbo”: “o arranque/ drástico/ do braço// assim o pastor/ prega orações/ subordinadas”. É pelo riso e pela ironia que Thiago Scarlata consegue a difícil proeza de amainar o peso das coisas.
O livro também traz algumas homenagens a nomes consagrados da literatura como Cervantes e Manoel de Barros, tendo uma intertextualidade com eles, trabalhando com a linguagem intensamente. Mas apesar das referências e diálogos, Thiago Scarlata tem uma voz própria, especialíssima, produzindo um livro ímpar e singular. Sobre as coisas necessárias e desnecessárias, o autor sabe, com grande domínio da linguagem, cotejar. A mistura das coisas, esta natureza dual de tudo, nos faz recordar de Guimarães Rosa que mostra a força dos contrários, o divino e o demoníaco, a coincidentia oppositorum de tudo que nos rodeia, inclusive dentro de nós mesmos. Em “O poço”, de Scarlata, lemos: “nenhuma água/ de poço é neutra// energizada pelos séculos/ e corrompida de argila,/ traz consigo à superfície/ um verdadeiro folclore/ de sais minerais (...)”. 
 
Thiago nos fala desta “cultura salobra”. A ambiguidade da própria expressão nos leva ao terreno do poético e da imagem. Sem pontuação final nos poemas, ele nos dá a ideia de continuidade, num ritmo que não para, o próprio movimento da vida e da sua escrita que só faz evoluir. Com variedade estilística, Scarlata produz uma obra excepcional que revela seu amadurecimento como escritor que não para de crescer. A frieza e a crueldade da realidade são traduzidas em belos versos que diminuem o impacto da brutalidade do mundo e nos faz refletir sobre o real e nós mesmos num poder de autorreflexão e conhecimento. Portanto, Thiago Scarlata consegue traduzir em salobre a voz de nossa face ambígua e da natureza dual das coisas, com grande encanto, ironia e beleza. O poeta vai longe e se supera cada vez mais ao longo do tempo, mostrando que a genialidade não está pronta, mas é produto de um longo trabalho com a escrita que não acaba, mas que progride cada vez mais.



Lançamento do livro: Dia 19/10, às 19:00h na Pizzaria La Carmelita (Rua do Rezende, 14 - Lapa).






Thiago Scarlata nasceu no Rio de Janeiro em 1989. É autor de Quando não olhamos o relógio, ele faz o que quer com o tempo (Multifoco, 2017), Salobre (Urutau,2018) e mantém o site de crítica literária Croqui. Em 2016 foi finalista do Prêmio SESC de Literatura com o poema “Rio Velho” (presente neste livro) e em 2017 venceu o Concurso MOTUS – Movimento Literário Digital (UNIPAMPA). Participou de antologias e teve poemas publicados e traduzidos em diversas revistas, jornais e sites literários.







*Alexandra Vieira de Almeida é poeta, contida, cronista, resenhista e ensaísta. É Doutora em Literatura Comparada pela UERJ. Trabalha como professora na Secretaria de Estado de Educação  e tutora de ensino superior a distância na UFF. Publicou quatro livros de poesia: "40 poemas", "Painel" (Multifoco, 2011), "Oferta" (Scortecci, 2014) e "Dormindo no verbo" (Penalux, 2016). Neste ano, publicou seu primeiro livro infantil, "Xandrinha em: o jardim aberto" (Penalux).Publica suas poesias em antologias, revistas, jornais e alternativos por todo Brasil e também no exterior. Tem poemas traduzidos para vários idiomas. Tem um blog de literatura: www.malabarismospoeticos.blogspot.com.br

segunda-feira, 13 de agosto de 2018

O enclave nosso de cada dia

Enclave (Editora Patuá, 2018)
*Por Thiago Scarlata


Há uma cena no clássico filme de Cacá Diegues, Bye Bye Brasil, em que um indígena pergunta ao personagem de José Wilker (líder de um grupo circense itinerante): “Como tá o presidente do Brasil?”. Quando a assisti, imediatamente fui remetido a uma fala de Roberto DaMatta em que diz: “O indígena não sabe o que é fronteira. Para eles, o rio é o rio. A terra é a terra. Não existe “índio brasileiro”, ou “boliviano”. Os povos indígenas mais isolados não sabem o que é “Brasil”. Enclave também fala de identidades. As assumidas, construídas ou negadas. Toca numa ferida histórica que perdura. Enclave não é só um livro de poesia, pois ultrapassa a arte pela arte. Enclave é bagagem de vida do homem Marcelo Labes. E que bom que o homem Marcelo Labes é também poeta.

Costuma-se chamar de cultura aquele todo complexo que inclui conhecimento, crença, arte, moral, lei, costume e qualquer outras capacidades e hábitos adquiridos pelo homem da sociedade. Para além da teoria e dos debates em torno do etnocentrismo ou relativismo cultural, identificamos no autor de Enclave uma luta íntima, que provavelmente o acompanha. Um signo gravado em sua pele. Esse esforço de Labes (que é só dele), dá à sua obra uma força única, justamente pelo permanente tom autobiográfico (e “Bovary sou eu”, tratou de sacramentar que afinal tudo é autobiográfico): Marcelo estranhou o familiar e familiarizou o estranho.

Num tempo de enxurrada de memes relacionados à fala conspiratória de um patético presidenciável, que pôs em cena a (até então) tão pouco conhecida utopia de nome URSAL (União das Repúblicas Socialistas da América Latina), a leitura de Enclave ganha mais um viés. Posto o antagonismo entre Sul separatista e a chamada “pátria grande socialista”, poderíamos jogar luz às questões como padronizações, uniformização de mentes e espíritos ligados à ideologias ou discursos, exclusões identitárias por uma cultura dominante ou qualquer outro debate social ou filosófico tão atuais e importantes. Entretanto, não pretendo fazer deste um texto acadêmico sobre um livro de poesia, mesmo já tendo me alongado em alguns quesitos que julguei importantes para uma introdução de Enclave, dado seu valor extra-poético.

Enclave, no fim das contas, é tudo o que o coração de Marcelo Labes sofreu, acumulou e quis descartar. Mas Marcelo não descartou. Acolheu, trabalhou (e muito) e ao invés de jogar tudo isso (que ainda existe em seu cotidiano) para debaixo dos tapetes, o que para a maioria das pessoas (e mesmo dos poetas) é o mais cômodo, construiu uma denúncia, um desabafo, um grito que vem preso desde a infância. Todavia, Enclave é sobretudo um livro de poesia, não um panfleto ou um manifesto. O Labes que conheci em “Trapaça” (seu penúltimo livro) se encontra com o de Enclave, trazendo consigo todo o seu aparato poético: o de um homem que faz da poesia um hábito, um ofício, como um jogador de futebol que de tanto treinar uma cobrança de falta, acerta o ângulo na hora do jogo. Ao mesmo tempo, esse mesmo jogador sabe que futebol não é só repetição e lógica. Futebol é sobretudo arte. Marcelo, como craque que é, sabe muito bem o que, quando e como usar. Já sabe qual caminho deve percorrer para buscar o que lhe falta e sua passada é inconfundível. Por isso que quando leio “aqui onde morremos quando podemos / (mas que) provavelmente não morreremos / com medo de atrasarmos para o trabalho.”, sei que é Marcelo Labes. Que quando leio “trazer na testa o peso dos dias / à espera de que o doutor busque dentro do corpo / algum resquício de humanidade”, eu sei que é Marcelo Labes.

Reverbera em Enclave o som dos teares fabris. A polka impermeável. Os gritos racistas de ódio. O toque dos navios de imigrantes. A fala estérica de Hitler. O darwinismo social nosso de cada dia. O silenciamento histórico de negros e indígenas. Os estampidos dos tiros. O estalo do chicote. Esse sangue vertendo e que em qualquer um, é sempre vermelho. Enclave fala das fronteiras que já estão postas. Nos resta aceitá-las ou tentarmos ultrapassá-las. Este livro nos convida à segunda opção, pois é ele, depois de uma lição de história e obra de arte, um ato de coragem. Que tenhamos o mesmo peito do autor. Que enxerguemos as nossas. Que as superemos.


XIV.


há o vale
e há o morro

atrás do morro
outro vale

e outro morro
atrás deste

outro vale
além mais outro

quanto mais distante
o vale, mais difícil

de chegar. estar ali.
quanto mais profundo

o vale, maior a vontade
de partir







Foto: Luiza Melo, 2018
Marcelo Labes é poeta nascido em 1984 em Blumenau-SC. Autor de Falações (EdiFurb, 2008), Porque sim não é resposta (Antítese/Hemisfério Sul2015), O filho da empregada (Antítese/Hemisfério Sul 2016), Trapaça (Oito e Meio, 2016) e Enclave (Patuá, 2018). Participa da mostra Poesia Agora (edição carioca). Publica no blog http://mmlabes.blogspot.com e mantém a revista O poema do poeta (http://opoemadopoeta.wordpress.com), onde publica originais manuscritos de autores vivos e mortos, do Brasil e do exterior.





*Thiago Scarlata nasceu no Rio de Janeiro em 1989. É autor de Quando não olhamos o relógio, ele faz o que quer com o tempo (Multifoco, 2017), salobre (Urutau, 2018) e mantém o site de crítica literária Croqui. Em 2016 foi finalista do Prêmio SESC de Literatura e em 2017 venceu o Concurso MOTUS – Movimento Literário Digital (UNIPAMPA). Participou de antologias e teve poemas publicados e traduzidos em diversas revistas, jornais e sites literários.



sábado, 9 de junho de 2018

Entrevista com Rafael Gallo - Rebentar

*Por Thiago Scarlata




Rafael Gallo nasceu em São Paulo em 1981. É autor de Rebentar (Record, 2015), romance vencedor do Prêmio São Paulo de Literatura 2016, e de Réveillon e outros dias (Record, 2012), livro de contos vencedor do Prêmio Sesc de Literatura 2011/2012. Tem ainda contos publicados em diversas revistas e antologias, como a Desassossego (Mombak, 2014) e a Machado de Assis Magazine (Biblioteca Nacional, 2012), que publicou tradução do conto Réveillon para o espanhol.



CROQUI – Rebentar não adotou uma estrutura linear/tradicional, onde o mote principal seria “prender o leitor pela curiosidade de saber se a mãe acharia ou não o filho”. Logo no início é dado o que seria tido como “o fim da história”: Ângela desiste de procurar Felipe, depois de longos anos de devoção exclusiva à sua procura. Como se deu a decisão de adotar esse ótimo modelo?
RAFAEL GALLO – Veio justamente disso que você falou, de não querer a história direcionada para o suspense, nem por mim nem pelo olhar dos leitores. Histórias de desaparecimento costumam ter essa abordagem e, desde que comecei a pensar no Rebentar, sabia que ele não seria sobre a expectativa do reencontro ou não. Para mim, a história é sobre Ângela, a mãe, sobre o processo íntimo – e prático – dela, de descontruir e reconstruir o vínculo com esse filho, já perdido há anos. Não queria que os leitores se distraíssem desse “coração” da história, por conta de uma expectativa que não deveria estar ali. Por isso, a pergunta é eliminada de imediato, como se o livro logo dissesse: “Não, Felipe não será reencontrado; agora podemos falar do que importa aqui?”


CROQUI – Houve um processo de pesquisa para a composição do romance? Caso sim, como foi essa experiência?
RAFAEL GALLO – Sim, precisei pesquisar bastante, pois não conhecia praticamente nada do universo de crianças desaparecidas. Comecei pelas leituras - tanto de ficções quanto de materiais jornalísticos ou acadêmicos - mas o mais importante, sem dúvida, foram as conversas que tive com mães de filhos desaparecidos. O livro não teria sido o mesmo sem o que aprendi delas, devo muito, muito mesmo, a essa generosidade.


CROQUI – Discorra um pouco sobre a convenção do “amor incondicional de mãe” e o que isso carrega consigo.
RAFAEL GALLO – O termo “amor incondicional” me incomoda um pouco. Não lembro se algo assim é mencionado diretamente no livro, mas provavelmente é uma ideia que permeia a história. Não vejo o amor como algo desligado de condições, algo gratuito e sem razão de ser ou de permanecer. Talvez alguns pais e mães sintam isso, que chamam de amor incondicional, logo ao nascimento de seus bebês, até por uma questão de química do corpo: a preservação da espécie e seus recursos fisiológicos (bom, nesse caso, continua havendo uma condição, biológica). Por outro lado, já ouvi de muitas mães que a vinculação com o bebê não aconteceu de imediato, parecia até estranho não ter esse “amor” (quando é algo normal, a pressão sobre as mães é que é doentia). Para mim, o amor precisa ser tecido fio a fio, construído tijolo a tijolo, não tratado como algo que cai do céu. Aliás, acho que grande parte de sua força e beleza vêm daí, de não ser gratuito, como se fosse uma mágica alheia a quem ama ou é amado. O amor é o que se faz dele, o tempo todo. Tem de ser algo “esculpido” pelos amados e amantes, erigido e mantido de mãos dadas. Acredito em amores que ativamente fazem jus a si mesmos, que se formam por dedicação e cuidado, por entregas e compartilhamentos, por exigências também. Pelo zelo com as condições em que são cultivados, não por considerarem que essas condições são irrelevantes. E, talvez, Rebentar carregue essa ideia. Algo como “ainda que você seja meu filho, para te amar eu preciso te conhecer, preciso saber quem você é”.

Foto: Nádia Maria / Capa: Frede Tizzot


CROQUI – Obviamente que só quem passou ou passa por uma dessas situações sabe a dor real, mas na sua visão, é pior ter um filho desaparecido ou, tendo-o ao lado, perdê-lo para a morte?
RAFAEL GALLO – Eu não poderia mesmo dizer, talvez só quem passou por algo assim possa. Bom, acho que nem mesmo quem passou poderia apontar uma delas como pior do que a outra. Mas o desaparecimento tem algumas singularidades muito dolorosas, como o fato de a ausência ser tão completa quanto a da morte (você não tem nada mais da pessoa consigo, nenhuma possibilidade de contato), porém sem o fechamento que a morte, ao menos, dispõe. Depois que alguém próximo se foi pelo falecimento, só resta seguir adiante, de alguma forma. No desaparecimento, esse “depois” não se forma, nunca chega. Você pode ficar para sempre no “antes”, na iminência de a pessoa ser reencontrada. Quando não é (e isso acontece, de certa forma, todos os dias), o luto se renova, ele não tem fim, não tem um ponto de repouso. Você sequer pode chorar a perda por completo, porque ela sempre ameaça deixar de ser perda. É uma ferida que nunca chega ao período de cicatrização.


CROQUI – Um dos pontos fortes tratados pelo livro é o de como a condição social colabora para um desaparecimento ser tratado como um caso, ou como só mais um número nas estatísticas, configurado no exemplo dos personagens Felipe e Mateus. Esse realmente foi um dos debates que você também quis levantar?
RAFAEL GALLO – Sim. No caso desses dois desaparecimentos, quis colocar em jogo como pessoas (crianças ou adultos) têm tratamentos completamente diferentes, dependendo da classe social a que pertencem. Isso não é só no desaparecimento, é em tudo. Especialmente em um país tão desigual quanto o nosso, se você tem muito dinheiro vive em um “mundo” absolutamente discrepante de quem carece de poder. Nem as leis funcionam da mesma maneira. No caso de desaparecidos, isso se mantém, acentua-se: uma criança de classe média-alta desaparecida se torna notícia, comove o país, mobiliza a todos; crianças da periferia desaparecem e nada é dito. São dezenas de milhares de desaparecidos por ano no Brasil, de quantos a gente ouve falar?
A cena em que a mãe do Mateus é rechaçada e, depois, ameaçada pelos policiais, somente por exigir que seu filho seja buscado devidamente, não é algo que inventei. Repete-se com muitas mães, especialmente as negras e da periferia. Aquela própria ideia de que é preciso esperar 24 horas para começar as buscas, tão difundida, é falsa; não há nada disso na lei, é só uma praxe. Mas deixe o filho de alguém rico e famoso desaparecer, para vermos se os policias vão dizer a esses pais que têm de esperar tudo isso para começarem a se mexer. Nada disso, em menos de cinco minutos já teremos helicópteros sobrevoando a cidade, acompanhados pelas câmeras de TV, apelos em toda mídia, etc. Enquanto isso, mães da periferia têm de escutar que suas filhas pré-adolescentes desaparecidas devem estar em algum motel, escondidas, que seus filhos meninos devem estar metidos com o tráfico, e irem embora caladas para não receberem ameaças de prisão por desacato a autoridade.


CROQUI – Achamos a inclusão da expressão “rebentar” em vários momentos do livro algo bem interessante. O que há de metáfora, de concreto e como surgiu essa escolha do título do seu livro?
RAFAEL GALLO – Há algumas palavras e imagens que quis repetir ao longo do livro, usando-os como uma espécie de “material temático”, algo típico da música. Menções a espelhos, às dores nos joelhos de Ângela, ao mar e a outros elementos são retomadas a todo momento. A palavra “rebentar” foi uma das primeiras que me surgiu, desde os rascunhos. Ainda não tinha o título bem definido, mas já me atraíam seus sentidos de “rebento” (ligado ao filho) e de “rompimento”, especialmente em relação ao processo de Ângela, de romper com a condição de “mãe de filho desaparecido”. Enquanto pensava em tudo isso e tentava encontrar os outros elementos da história, me veio à cabeça a imagem (como se visse a cena de um filme) dessa mulher diante do mar, em algum canto isolado, meditando sobre sua vida. Então, pensei também no rebentar das ondas que ela via. O título, assim como a personagem e a introdução do livro, se delinearam melhor a partir dessa imagem primordial.


CROQUI – O quarto intacto por mais de 30 anos e sua transformação simbólica numa espécie de altar, onde o tempo é congelado no intuito de conservar toda lembrança da criança desaparecida, e o recurso do envelhecimento digital com base na antiga foto. Como, na sua visão, se dá esse paralelo, bem como suas consequências na vida dos pais?
RAFAEL GALLO – A história do quarto foi baseada em uma lembrança, mais antiga, de certa matéria que vi em uma revista (uma pena não tê-la guardado), falando sobre pais que perderam seus filhos jovens, focada especialmente nos quartos deles, nessa manutenção simbólica dos pertences dos mortos. As fotos eram de cortar o coração: estavam todos arrumados como se a criança ou adolescente ainda vivesse ali, estivesse prestes a voltar. Além disso, os pais instalavam certos marcadores de tempo paralisados: relógios ou calendários parados na hora ou dia em que o filho se foi, coisas assim. Um dos quartos, não me esqueço disso, tinha uma tabela de basquetebol, na qual o pai instalou uma haste e prendou nela a bola, criando o efeito de essa bola estar parada no ar, para sempre prestes a cair no cesto.
A história do envelhecimento digital também foi curiosa, porque eu já tinha a ideia de utilizá-lo na história, mas não pensava em proporcioná-lo tanto peso. Seria apenas mais uma das coisas pelas quais Ângela tem de passar. Só que em uma das entrevistas que fiz, com a mãe de uma garota desaparecida, ela me mostrou o retrato que criaram da filha dela, mais de 20 anos depois do desaparecimento. Primeiro, essa mãe me mostrou a foto que carregava da menina, em suas buscas: os olhos bem arredondados, cabelos cheios, aquele rosto ainda infantil em uma pré-adolescente. Depois, ela me mostrou a simulação: a face adulta, bem mais velha e ríspida, de olhos duros, cabelos reduzidos, maxilar pontiagudo, completamente diferente. Foi um choque para mim, naquele momento, imagina para os pais. Perguntei como foi receber aquele retrato, ela me contou ter tido uma depressão comparável somente à época do desaparecimento. Porque é perder a filha mais uma vez, sabe? É ter sequestrada aquela imagem que se tinha dela, ser confrontada com a realidade de que aquela filha não existe mais, o que talvez ainda exista é essa pessoa irreconhecível, uma estranha. O que é seu filho, quando está transformado em um estranho? Essa se tornou uma questão fundamental de Rebentar.


CROQUI - Gustavo e Ângela permanecem juntos após o desaparecimento do filho. Conte-nos um pouco da sua escolha de, neste caso, ir contra as estatísticas, que apontam que 80% dos casais se separam quando ocorre um desaparecimento de filhos e filhas. Otávio era um personagem fundamental para a trama ou houve outras motivações por de trás da sua escolha?
RAFAEL GALLO – Além de o Otávio ser fundamental em alguns momentos, eu queria que a Ângela tivesse um universo ao redor dela, o qual, afora o filho ausente, estivesse funcionando de forma razoável. Não queria uma vida devastada, com casamento arruinado, solidão, parentes afastados, crises financeiras, etc. Porque, assim, ela teria um monte de problemas pra resolver, não somente o filho. Queria que ela fosse essa personagem que tem tudo à sua espera, mas que precisa sair de dentro desse lugar escuro onde está. A possibilidade de restauração está bem ali, embora pareça muito distante. Muitas vezes, pessoas e personagens são assim: de todas as peças do grande quebra-cabeças da vida, a atenção fica toda naquela que falta, os sentimentos mais intensos vêm da lacuna. Claro que no caso de uma mãe de filho desaparecido isso é absolutamente compreensível, até esperado, mas eu queria ter esse caminho possível de volta. E o Otávio, nisso também, é fundamental.


CROQUI – Conte-nos um pouco sobre como foi a sua transição do conto para o romance. Resumidamente, o que para você foi permanência e o que surgiu de novos elementos na sua escrita por conta da mudança de gênero literário?
RAFAEL GALLO – Eu acho que a diferença principal – e assustadora, a princípio (rs) – foi a medida das coisas, o tamanho dos gestos narrativos. Em um conto, você sabe que a história não vai chegar muito longe daquele ponto de partida; no romance, as ramificações vão a se perder de vista. É difícil se acostumar com isso no começo, habituar-se a uma escrita que você não chega nem perto de compreender o todo. Mas, aos poucos, fui me acostumando às novas dimensões das cenas, cenários e outros aspectos. Mais do que isso, gostei de ter esse “espaço” para explorar melhor certos elementos da história. Por exemplo, em um conto eu provavelmente teria de escolher apenas um “objeto” para simbolizar a paralisia do tempo, relativa à ausência do filho. Mas no romance eu posso ter vários: o quarto, a fachada da casa, os porta-retratos, o abandono profissional da Ângela, o casamento, os outros familiares, etc.
O que permanece, acho, além de questões estilísticas é aquilo que falei no começo: o cuidado com o “coração” da história, em não perdê-lo de vista, não se desgarrar dele, seja ao atravessar 10 páginas ou 400. De certa forma, me parece que o Rebentar é um pouco como um conto gigante, ele orbita ao redor de um núcleo muito próximo o tempo todo.


CROQUI – Quais são as suas influências literárias mais importantes e o que está lendo atualmente?
RAFAEL GALLO – Minhas influências têm mudado bastante ao longo do tempo. Começaram principalmente com Clarice Lispector, Manuel Bandeira, Julio Cortázar e Guimarães Rosa, passaram por Di Cavalcanti e Tom Jobim, Michael Haneke e Magritte, Debussy e Chico Buarque, Stanley Kubrick e Noel Rosa, tantos outros. Hoje, além desses, há muito da literatura contemporânea, especialmente brasileira e portuguesa. Adriana Lisboa, João Carrascoza, Maurício de Almeida, Inês Pedrosa, José Luís Peixoto, Dulce Maria Cardoso, Gonçalo M. Tavares, Afonso Cruz, esses autores têm feito a minha cabeça.


CROQUI – Está trabalhando em um novo livro? Caso sim, o que já nos pode adiantar?
RAFAEL GALLO – Estou trabalhando em dois, na verdade. Tenho um de contos praticamente pronto, com as histórias que tenho escrito desde que publiquei o Réveillon e outros dias, em 2012. E estou trabalhando em um romance também. Digo que, se Rebentar é o “livro da mãe”, esse próximo é o “livro do pai”. É outra história, são outros personagens, mas alguns dos temas mais subterrâneos do Rebentar estão ali. E quis voltar meus olhos para questões mais tipicamente masculinas: o analfabetismo afetivo, a cobrança por sucesso e desempenho no ofício, o autoritarismo, etc.


CROQUI – Possui projetos literários para além de um novo livro, bem como palestras, cursos ou eventos dos quais participara?
RAFAEL GALLO – Eu dou oficinas de escrita de vez em quando. Acabei de terminar minha participação no CLIPE, o Curso Livre de Preparação de Escritores, da Casa das Rosas, e fiquei impressionado com a qualidade de alguns dos trabalhos de lá. Pretendo dar mais oficinas em breve, mas ainda não há datas confirmadas. Esse ano – de crise, Copa e eleições – está bem parado de eventos, não tenho nenhum em vista, então estou aproveitando para focar bastante na escrita do meu romance. Sou bem demorado para escrever, preciso investir muito no tempo de trabalho.


CROQUI – O que é literatura para você?
RAFAEL GALLO – Eu oscilo entre a vontade, por um lado, de responder algo grandioso - como se a literatura salvasse vidas ou fosse um ativismo político impactante – e, por outro lado, de responder que a literatura é só mais uma das pequenas partes que formam o grande caos do mundo, talvez uma das que têm menos peso. E quando essas dúvidas em relação à literatura assaltam minha cabeça de escritor, volto sempre a pensar como leitor, que é o lugar das fundações da literatura para mim. E, enquanto leitor, a literatura foi, para mim, uma das grandes fontes de formação afetiva e intelectual. Me apresentou novas possibilidades de se ver o mundo, de perceber que a vida pode ser muito diferente da que me impunham, pode ter muitas outras maneiras de se realizar além do meu pequeno e restrito universo. Acho que isso é a literatura (mas também muitas outras coisas podem sê-lo, como a música ou o esporte, para alguns): uma espécie de abertura, como se antes vivêssemos em uma casa fechada, mas de repente pudéssemos abrir janelas para vislumbrar outros horizontes, receber outras luzes e brisas, além do ar viciado da casa fechada. E isso, de certa forma, é fundamental. Se todos os indivíduos tivessem algo assim, tão potente e transformador, o coletivo poderia ser diferente.


*Thiago Scarlata (1989) é poeta, músico, escritor e editor do Blog Literário Croqui. Teve poemas traduzidos para o espanhol, publicados em antologias e também nas Revistas Gueto, Enfermaria 6, Escamandro, Mallarmagens, Monolito, Avenida Sul, Incomunidade, Janelas em Rotação, Poesia Brasileira Hoje, O poema do poeta, Poesia Avulsa, Literatura&Fechadura, Poesia Primata, Vero o Poema, Carlos Zemek, MOTUS, Jornal Correio Braziliense, Jornal RelevO, além de blogs literários. Foi finalista do PRÊMIO SESC DE LITERATURA 2016, vencedor do CONCURSO MOTUS – MOVIMENTO LITERÁRIO DIGITAL 2017 e da SELEÇÃO PÚBLICA PARA PUBLICAÇÃO - EDITORA URUTAU 2018. É autor do livro de poesia “Quando Não Olhamos o Relógio, Ele Faz o Que Quer Com o Tempo” (Editora Multifoco, 2017).
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